quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

O Episódio de Mazo Cruz - Parte 3 e última?

Fui designado a escrever a última parte do Episódio de Mazo Cruz. Grande responsabilidade já que muitos (aqueles pra quem o Edson e o Sucesso ainda não contaram) estão aguardando o desfecho da história. Responsabilidade ainda maior é cumprir o compromisso com a verdade e estar alinhado às histórias e “pequenos” exageros (ou liberdade criativa) dos Srs. Júnior e Carvalho.

Para escrever essa parte tive que reler as outras 2 partes da história, para que houvesse uma sequência lógica e real...Antes de começar vale aqui um direito de resposta, sobre eu ter ficado “imóvel”, “quase congelado”, no meio do deserto, na opinião do Edson. A verdade nesse caso é que eu sou um cara focado e naquele momento o foco era “esperar o único caminhão que iria passar por ali quando o sol chegasse à montanha”. Esse era o objetivo. Não ficar escalando a montanha pra tirar foto do bombeiro, nem ficar jogando pedras nas llamas que ficavam passando por ali, né Edson? Se tivéssemos sido fanfarrões era bem capaz do caminhão ter passado enquanto estivéssemos no alto da montanha. Salvei a vida do Edson e ele nem agradeceu ou pediu desculpa...Fazer o que...

Só aguardava a chegada do caminhão, mas meu desejo era o de poder sumir dali. Me teletransportar para uma cidade qualquer ou como um passe da mágica do Mister M levar eu e o bombeiro (ah o Edson também) de volta pra civilização.

Bom, vamos lá, voltando a continuação da história. No último relato nós finalmente conseguimos voltar ao vilarejo de Mazo Cruz, sãos e salvos. Dessa parte da história as primeiras 2 imagens que vem a minha cabeça foi a de passarmos com o carro, sendo rebocado, ao lado do carro da polícia (de preto) e eles ficarem nos olhando. Outra imagem foi ao pararmos, um outro policial (rodoviário, de verde) dizendo: “você tem que se agasalhar”. Eu estava com um moleton, já que minha jaqueta tinha resolvido ficar em Cuzco em algum “guarda-volumes”.

Peguei uma blusa do Carvalho (a sensação nesta hora já era de uns 10 graus) e fizemos os pagamentos acordados: um tanto pros policiais e outro tanto para o caminhoneiro que nos rebocou na estrada abandonada.

A partir desse momento a sensação era de tranqüilidade por estar em algum lugar e de apreensão para tentar entender porque os policiais estavam sendo tãaaaao prestativos. Empurramos o carro para ficar ao lado da cabine dos policiais rodoviários. Enquanto empurrávamos o carro estávamos pensando o que fazer: pegar carona pra alguma cidade maior, ligar pra um guincho, sei lá qualquer coisa.

Nisso um dos policiais rodoviários (os de verde) começou a dizer que ia arrumar um lugar para nós comermos. Nesse momento até que minha apreensão diminuiu e até estava achando o policial um cara legal.

Enquanto estávamos decidindo o que fazer o Carvalho contou o lado da história dele e que estava desconfiado dos policiais, já que eles ficaram perguntando um monte de coisa e tinha um “pequeno” armamento no carro que ele pegou carona. Aí a apreensão voltou “com força”. Aí o Carvalho teve a idéia de dar uma camisa da seleção brasileira para o policial. Afinal, camisa da seleção é universal, todo mundo gosta, fala que adora o Ronaldinho, que tinha adorado e desistido de matar a gente, aquela coisa toda. Nosso companheiro de viagem pegou a camisa e foi lá todo sorridente dizendo que era um presente para ele (ele era o chefe dos policiais) e que era uma camisa rara, da seleção Pentacampeã de 98. Ao fundo do cenário eu e Edson estávamos sorridentes também concordando com o Carvalho. Difícil descrever a cara do policial quando recebeu a camisa. Fez uma cara de pouco caso do outro mundo. Algo como: “você está querendo me comprar com isso?”, “você acha que a gente vai deixar de levar seu carro por causa de uma camisa?” “ou deixar de te matar?”.

Diante da cara de poucos amigos continuamos marchando rumo ao restaurante para jantarmos, sem muitas palavras.

Chegamos ao restaurante após uns 50 passos e vimos toda a grandiosidade da cidade em que estávamos: uma igreja, algumas casinhas, um bar e uma praça. Praticamente isso. Também resolvi dar uma olhada no celular: nenhuma chamada ou mensagem recebida, já eram umas 6h30 da tarde e nenhum sinal existente.

Entramos no “restaurante” junto com uns 2 policiais. A dona e uns rapazes que trabalhavam lá ficaram nos olhando com um ar de interrogação até que o policial explicou a situação: o carro desses rapazes (trouchas) quebrou na trocha (estrada abandonada) e eles precisam jantar e de um lugar para dormir. A senhora diante de tal situação só balançava a cabeça afirmativamente e disse que o “hotel” (o local para dormir) era ali mesmo.

Com todos dentro de restaurante e com sorrisos amarelos aguardando o que estava por vir, fomos conhecer nossas habitações. A senhora, bastante prestativa, disse que tinham 3 quartos disponíveis para ficarmos. Nesse momento nós 3 respondemos quase ao mesmo tempo. Não, não, não, ficamos os 3 em 1 quarto só. Afinal era mais fácil pra um proteger o outro e se bem me lembro, na maioria dos livros de Agatha Christie, as mortes ocorriam quando as pessoas estavam em quartos separados, aumentando o mistério em torno do ocorrido.

A senhora concordou e providenciou a colocação de mais uma cama no quarto. O restaurante-pousada-hotel não era dos piores. Era limpo como um quiosque da Praia Grande, umas 4 ou 5 mesas grandes e uma TV preto e branco de 17 polegadas ao fundo. Voltamos ao restaurante e vimos algumas pessoas diferentes transitando por ali. Um dos rapazes veio nos atender e pedimos 2 águas e 1 coca-cola. Davi (lindo nome do rapaz) trouxe o que pedimos e disse que o jantar estava sendo preparado. Apreciando a água e a coca-cola, conversávamos em português bem rápido, pra ninguém entender. Tentávamos imaginar o que podia acontecer, e por mais otimistas que podíamos ser ,o clima não era dos mais agradáveis. O policial estava na cozinha conversando com a senhora e retornou um tempo depois. Comentou que ia voltar para o posto dele e que se passasse algum caminhão ele iria nos avisar. A idéia era colocar o bombeiro em algum caminhão para nos levar até Moquegua ou Tacna, as próximas cidades grandes. O plano declarado pelo policial seria para algum caminhão boliviano e chantageá-lo para levar nosso carro, caso contrário apreenderia o caminhão.

Sinceramente eu não estava gostando nada de ficar ali, mas também achei a idéia de ir num caminhão no meio da noite uma péssima idéia. Assim, deixei claro meu ponto de vista e de certa forma Edson e Carvalho concordaram comigo. No meio dessa conversa surge um rapaz e senta do nosso lado. Ainda não sei dizer se ele estava bêbado, mas ele veio todo simpático dando as boas-vindas para nós e que era um prazer receber a gente no restaurante-pousada-hotel e em Mazo Cruz. Retribuímos todos os comentários dizendo que o prazer era nosso em estar em Mazo Cruz (que mentira!). Durante a conversa com o rapaz tentávamos decidir o que fazer, afinal não sabíamos se alguma coisa estava sendo tramada e quanto tempo tínhamos. Sempre falando rápido e em português. O rapaz simpático insistia em conversar com a gente e começou a contar uma história de uns brasileiros que passaram por Mazo Cruz há um tempo e também ficaram “hospedados” ali. Provavelmente nos confundiram com dois argentinos de moto que por lá passaram antes de um deles virar revolucionário, ser morto e ter o rosto estampado nas camisetas de todos os jovens revoltadinhos pelo mundo.

Balançavamos a cabeça demonstrando interesse e falávamos algumas frases soltas como: que Bueno! Interesante! No creo! Só para manter a conversa e ele também não querer nos matar. Aí ele nos convidou para fazer um passeio que os outros brasileiros fizeram da outra vez. Um passeio em umas termas. Naquele momento devia estar uns 5 graus. Disse que eram águas quentes e que ele levou o grupo até lá. Pra variar um pouco, achamos aquilo bem estranho também. Porque ele pensaria que a gente ia topar um passeio em umas termas, a 5 graus de temperatura em um momento que a gente nem sabia o que ia acontecer. Tudo bem que já tínhamos pegado uma estrada abandonada e passado por outros lugares. Mas, aquilo era aventura demais para a hora. O rapaz desistiu de convencer a gente, percebendo nossa falta de interesse.

Enquanto esperávamos o jantar levantamos e fomos para a frente do restaurante, para ver o movimento da cidade e tentar perceber alguma coisa. Ficamos ali conversando com um outro habitante da cidade, que ficou curioso com o que tinha acontecido com a gente. No meio da conversa ele disse que conhecia um mecânico. Sem muita dificuldade ele chamou um nome que ninguém entendeu e apareceu um rapaz franzino de uns 13 anos, que era o mecânico da cidade – de uma cidade que não tinha carros.

Nesse momento ficamos novamente felizes por termos encontrado nossa salvação, o mecânico da cidade (que em algum momento ia dizer que era especialista em câmbios automáticos e em cherokees sports...). esse momento de felicidade durou pouco. Olho para o nosso lado esquerdo e vejo um gigante ponto preto se aproximando. Assim que o ponto preto chega mais perto percebo que são 5 cinco policiais (os de preto) todos encapuzados (pelo frio ou para não serem reconhecidos?). Chegam perto do restaurante e fazem uma roda. Começam a conversar, mas mesmo tentando bastante, não consegui entender uma só palavra. Passam alguns poucos minutos e surge um homem vindo do outro lado. Era um cara, não muito bem encarado e bem grande. Ficou conversando com os policiais que volta e meia um olhava pra trás, meio que nos procurando.

Na nossa cabeça de “estamos ferrados, não sei o que vai acontecer, e se seremos assaltados ou assassinados” aquele parecia ser o matador profissional da cidade e estava checando o alvo dele.

Também com cara de apreensão Edson me chamou pra dar uma volta e ir até o bar pra comprar alguma coisa. Fomos e deixamos o Carvalho ainda negociando com o mecânico e tentando explicar pra ele que o carro era automático e portanto não tinha embreagem, , coisa que o mecânico julgava ser tecnologicamente impossível.

Fomos até o bar trocando impressões sobre a situação. Já era um momento em que todos estavam com um grande cagaço e em dúvida se pegávamos o caminhão, se ficávamos ali ou se devíamos sair correndo...O bar não tinha nada de muito útil. Um balconista, dois ou três caras bebendo alguma coisa Toda conversa no bar parava na nossa presença.Não sei se era porque estávamos com medo da situação, mas ali também o clima não era bom. Um saloon do velho oeste devia ser bem mais convidativo e mais agradável.

Alguns minutos depois voltamos. A mesma formação ainda estava na frente do restaurante: Carvalho com o “mecânico” e os policiais e o cara estranho em roda.

Davi, o do restaurante, nos chamou pois o jantar já estava pronto. Fomos para nossa mesa e sentamos na mesma formação. Chegam 3 pratos de sopa para comermos. Novamente na minha cabeça de “estamos ferrados, não sei o que vai acontecer, e se seremos assaltados ou assassinados”, por um instante fiquei pensando se devíamos comer a sopa. E se estivesse envenenada? Ou com sonífero? Para dormirmos e daí acordaríamos 2 dias depois sem o bombeiro, sem nossas coisas e a cidade abandonada?

Respirei fundo, me enchi de coragem e comecei a comer a sopa. A sopa era de batata com alpaca. Alpaca é um bicho que parece uma mistura de llama com ovelha. Tínhamos encontrado uns bichos desse na estrada e ficamos bastante surpresos com a aparência estranha e meio bizarra. Coisas do destino: estávamos ali saboreando um prato de sopa de alpaca. A conversa (ainda rápida e em português) era que a situação estava estranha mesmo e não entendíamos o que os policiais estavam fazendo ali. Chegamos a conclusão que a situação podia ficar feia, então decidimos que tínhamos que avisar alguém no Brasil. Não dava pra avisar à família, senão todos iam ficar bastante preocupados. Carvalho resolveu ligar para algum amigo que pudesse anotar ao menos o nome de onde estávamos, para mencionar em algum enterro simbólico sem os corpos. O primeiro que atendeu foi o Marcão. Depois de conseguir fazê-lo parar de gritar “fala Simããããooo!!! Que estiiiiiiilooooo.... Tá aonde? No Peru? Nóóóóóóóóóssaaaa, que estillooooooo!!!!!“ conseguiu passar o recado com o pouco que sobrou de crédito das parcas moedinhas que tínhamos para telefonar:

- “Marcão estou te ligando porque estamos numa situação meio estranha aqui na viagem. Nós estamos no meio do deserto, no Peru, numa cidade quase abandonada, com policiais armados até os dentes. A cidade que estamos é Mazo Cruz. Anota aí. O telefone aqui vai fechar e amanhã de manhã, se tudo estiver bem, eu te ligo. Não fala nada pros meus pais agora não, por favor.

Marcão não deve ter entendido muita coisa e deve ter ficado bastante preocupado com a situação, mas isso fez nós ficarmos um pouquinho mais tranqüilos.

No restaurante eu e Edson nos esforçávamos para comer toda a sopa. Afinal, não era muito prudente fazer desfeita e deixar o prato cheio. Edson também comeu a metade da sopa que o Carvalho havia deixado. Estávamos quase terminando, quando o rapaz do restaurante chegou com outro prato. “eita, agora fudeu” foi o pensamento. O gigante e suculento prato de sopa de alpaca já estava suficiente para os nossos estômagos. Vieram mais 3 pratos, também gigantes, com arroz, tomate, batata e...quem adivinhar ganha um doce! Alpaca!!

O prato de sopa não parecia estar envenenado nem com sonífero então respiramos mais fundo ainda e começamos a comer o prato principal. Chegou também uma bela xícara de chá de coca para ajudar a comermos tudo. O arroz não era dos melhores, a batata estava muito boa e a alpaca é difícil de descrever. Parecia um joelho ou pescoço que fazíamos um grande esforço para achar carne. Enquanto estávamos brigando com o pedaço de alpaca, o Carvalho chegou e disse que tinha conseguido falar com o Marcão.

“Mais comida? Fodeu, eu não vou comer isso” foi algo que o Carvalho disse no meio da conversa. Também respirou fundo e começou a comer. Todos concentrados em terminar o prato e Edson adotava outra estratégia. Espalhava “sem querer” arroz pela mesa para que o prato ficasse mais vazio.

A batata já tinha acabado, o arroz estava difícil e já tinha desistido da alpaca quando aconteceu algo que não gostaríamos. Os policiais, ainda todos encapuzados, começaram a entrar no restaurante. Eles passaram por detrás de nós três, que permanecemos de cabeça baixa focados somente no prato...arroz...arroz...arroz...era o único pensamento.

Eles passaram e sentaram a mesa ao lado. Eram cinco e começaram a tirar o capuz. Nós nos entreolhamos e era visível nosso incômodo (cagaço explica melhor) por estar ali. Continuamos comendo incessantemente enquanto os policiais se acomodavam. Eles também iam comer o banquete que estávamos saboreando.

Eles conversavam entre eles e de vez em quando olhavam para a TV. Em um momento Carvalho conseguiu uma deixa (e criou coragem) para puxar assunto.

- “Olá. Foram vocês que estavam no carro que foi me levar na estrada certo?

- “Sim, éramos nós” – responderam uns 2 ao mesmo tempo. Um deles até esboçou um sorriso. Ufa!

- “Aquela estrada está abandonada há uns 11 anos. Ninguém mais passa por lá” – disse uns dos policiais

-“Mas é que tinha uma placa para Tacna na estrada principal” – disse um de nós

- “É verdade” – respondeu o policial – “Precisamos avisar o departamento de estradas, para mudar aquela placa”

- “SIM!” concordamos nós 3 ao mesmo tempo.

Nisso, já tínhamos visto a cara de todos os policiais e até que eles tentavam ser simpáticos. Também iam ficar com nosso carro e todas nossas coisas. Esse ainda era o pensamento que permanecia.

Mais alguns minutos de silêncio e já estávamos desistindo de terminar os pratos. Edson ainda insistia e jogava mais um pouco de arroz pela mesa.

O desconforto permanecia e falamos mais 2 ou 3 assuntos vazios com os policias. O curioso era que só o comandante (sentado a cabeceira da mesa) respondia. Os capachos dele balançavam a cabeça concordando com o chefe.

Algumas garfadas depois reparamos um silêncio no ar. Todos os policiais estavam praticamente hipnotizados pela TV. Olhavam fixamente o programa que passava. Resolvemos olhar e vimos que era o Mister M que fazia seus truques na TV preto e branco. Olhamos para os nossos pratos e entre nós e vimos que era o momento ideal para irmos para o quarto. Passamos pelos policiais, que continuavam vidrados no Mister M que fazia uma mulher desaparecer no palco. Até aquele momento o Mister M tinha nos salvado e aparentemente estávamos seguros no quarto.

Lá demoramos para dormir. Deitamos na cama exatamente do jeito que estávamos. Carvalho ainda gravou um vídeo estilo “Bruxa de Blair” caso nós desaparecêssemos.

A noite não foi das mais agradáveis. Volta e meia um acordava com o mínimo barulho pensando que era alguém invadindo o quarto. Mas pelo cansaço e stress todos dormiram.

Lá pelas 6 da manhã todos foram acordados com alguém batendo a porta. A apreensão foi grande e todos pularam da cama em segundos. Edson, que estava mais perto da porta, foi ver quem era. Quem estava lá era o garoto mecânico. Carvalho, que dormia com um facão embaixo do travesseiro, tomou o posto e foi ver o carro com ele. Chegando lá o bombeiro parecia uma ambulância. Branco pela geada da noite anterior. O garoto mecânico se esforçou para ajudar, porém Carvalho tomou a dianteira e foi ver o que era. A expectativa era grande pois se fosse algo grave teríamos que passar mais um dia ali ou ser rebocado por algum caminhão.

Felizmente era só e tão somente uma abraçadeira que havia soltado, desprendendo a mangueira e derramando todo o óleo do câmbio. Levou coisa de 20 segundos para consertar. O problema agora seria arrumar 8 litros de óleo de câmbio automático do tipo DEXRON – III, mas dada a nossa vontade de sair da cidade, o Carvalho se satisfez com “aceite rojo”.

Tente imaginar, caro leitor, a alegria de Thomas Edson quando a lâmpada acendeu. Tente imaginar Graham Bell quando o telefone funcionou, tente imaginar a euforia do Santos Dumont quando o 14 bis voou. Nada disso chegaria aos pés da felicidade de ver o bombeiro andando de novo.

Carvalho chegou no quarto com cara de preocupado, disse que tinha uma notícia para nos dar. Fez um suspense e gritou “moçada vambora que o carro tá pronto!”

Arrumamos as coisas em alguns segundos e fomos tomar o café da manhã (sim havia café da manhã em Mazo Cruz). No restaurante havia uma foto de uma mesa de café, com pães, queijos, geléias, sucos. Não esperávamos algo assim, mas também não esperávamos arroz, ovo e batata logo pela manhã. Para evitar discórdias, comemos felizes que iríamos embora.

Arrumamos as coisas no carro, que aparentemente estava inteiro, e estávamos prontos para ir. Tiramos fotos com os donos do hotel-restaurante e fomos rumo a estrada. Ainda havia um restinho de tensão pois teríamos que passar pelo posto policial. Para não ter que alongar demais a história, passamos imunes pelo posto, porque era troca de turno. Ufa! Carvalho acelerou o bombeiro e fomos rumo a Moquegua. Agora sim, o caminho certo rumo ao Chile.

Parece bobeira ou licença poética pra deixar o texto mais emocionante, mas a saída de Mazo Cruz foi um momento em que nós ficamos em silêncio pensando bastante na vida. Olhava para o sol e agradecia por estar vendo-o naquela hora. Era uma sensação de alívio, alegria, por estar saindo daquela mistura de Agatha Christie, Twin Peaks, Bruxa de Blair e A morte pede carona.

Fomos andando pela estrada com paisagens de deserto do Peru mais leves e pensativos. Depois de muita aventura pela Bolívia, lugares maravilhosos no Peru, uma bela estadia em Cusco e ainda com o Atacama pela frente, sabíamos que estávamos voltando pra casa satisfeitos com a viagem, com pensamentos diferentes, que iríamos cumprir o desafio e o mais importante, com muita história pra contar.

Davi, Edson e Carvalho (e Duda também)

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O Episódio de Mazocruz - Parte 2

No último capítulo, Jambo e Ruivão estavam com o carro quebrado no meio do deserto, sem água, sem comida, sem sinal de celuar (há centenas de quilometros atrás) entregues á própria sorte e esperando morrer e ser comido pelos abutres.

Estava claro que ali, na terra, começando a cair a noite não haveria a menor chance de consertarmos nós (eu) o carro. E ainda que o consertássemos seriam necessários oito litros de óleo de transmissão automática Dexron-3, um fluido seguramente pouco abundante naquelas redondezas.

Apesar da dimensão do problema (ou pela nossa incapacidade em dimensioná-lo adeuqadamente) estávamos calmos. A viagem provavelmente estaria perdida, mas - a princípio - não morreríamos ali, afinal não tinhamos caído de avião no meio do Saara, nem éramos náufragos em uma ilha desconhecida. Estávamos numa "Trocha" (o nome passou a fazer um irônico sentido) num país que é quase vizinho ao nosso, nuam região fronteiriça (ainda que fosse com a Bolivia) e ainda, se no dia seguinte pela manhã nos metêssemos a caminhar, em algum momento conseguiríamos voltar até o posto policial onde nos tomaram dinheiro. 

O pior, de longe, seria ter que ouvir em São Paulo: "Mas eu falei que seu carro não aguentava.... joga fora essa merda... compra um carro normal... desencana de querer ter carro velho... financia um Celta...

Enauqnto a noite não chegava, resolvemos aproveitar o restinho de luz do dia para tentar buscar ajuda em alguma casinha perto da Trocha. Avistamos uns quadradinhos de barro no horizonte que pareciam ser casas de camponeses e decidimos democraticamente que Davi e Edson deveriam andar até eles. Os outros dois (Eu e o Bombeiro) ficariam na estrada pensando em como matar e assar uma Lhama.

Doravante o relato se divide em dois: De um lado a história segue pela minah narrativa, indo buscar ajuda, e de outro, Edson conta como foi ficar no deserto esperando que eu, eventualmente, voltasse com a cavalaria. Separaremos então por cores, sendo eu em azul e o Edson em rosa.

Indo buscar ajuda:

Enquanto eles caminhavam comecei a preparação para passarmos a noite no deserto. Felizmente haviamos trazido muitos brinquedos: cobertores de emergência, que são uns pedaços de papel aluminio gigante, uma infinidade de lanternas, rádios (que não pegavam nada) pilhas, combustível e cloro, que poderia ser usado para tornar potável a água que levávamos para o radiador.

Arrumei tudo, peguei o bonóculo e fui seguindo os dois colegas. Comecei então a observar mais atentamente as casinhas para onde se dirigiam, e fiquei desanimado. Peguei o rádio e chamei-os:

"Povo...câmbio...."

"que foi?"

"Tô olhando daqui com o binóculo... parece que essas casinhas estão abandonadas... não tem ninguém aí..."

"Sim, passamos numa que estava abandonada, mas vimos outra à frente, você consegue ver se há alguém nessa?"

"Negativo, não tenho visão, tem um morro na frente, voces vão ter que ir até lá olhar"

"Estamos indo"

Mais uma espera sem fim, vem uma resposta

"Carvalho, achamos um senhor e uma bicicleta, estamos voltando pro carro"

O primeiro a chegar er o velho ciclista. Ele me explicou que não havia nada nem ninguém por perto mesmo. E aí disse a coisa mais estranha:

"Quando o sol chegar naquela montanha, vão passar dois caminhões. Vocês suplicam a eles por ajuda"

Não achamos lá muito boa idéia confiar nossa salvação a um feiticeiro do deserto que falava sobre caminhões sóis e montanhas. Então propz um negócio da china:

"Essa sua bicicleta... o sernhor é muito apegado à ela?"

"A bicicleta... como?"

"O senhor não quer me vender essa bicicleta?"

"Mas o que você quer com a minha bicicleta?"

"Com ela eu vou até a polícia e peço ajuda" (Afinal já era 'cliente' deles).

"Ah meu filho, melhor você ficar longe da polícia por aqui"

Achei prudente não confiar em polícia de fronteira, ainda mais fornteira Peru-Bolívia, mas uma coisa é certa, qualquer polícia do mundo tem algo que nós precisávamos: comunicação.

"Quer vender ou não?"

"20 soles, pra alugar!"

"De jeito nenhum. Pra comprar não valeria 10!"

"15, pra alugar" dizia o velho

"Fechado, dá ela aqui"

Peguei o casaco, um pouco d'água, o gorro, olhei para o horizonte...

"Alguém tem noção da distância que nós andamos?"

O senhor, com cara de dúvida me interpelou?

"Meu filho.... onde você vai?"

"Vou voltar até a polícia"

"Ah.... mas ficou louco. Não dá pra chegar na polícia hoje. Daqui a pouco cai a noite e se você estiver na estrada vai congelar. Não dá tempo de você chegar na cidade..."

"Vai por mim vovô, nessas circunstâncias eu chego na cidade ontem"

"Meu filho, confia em mim. Primeiro que você NÃO vai chegar na cidade. Segundo, que a políca NÃO vai te ajudar."

Confesso que me senti depreciado, pois colecionava uma série de conquistas no pedal. Mas alguma coisa na cara dele dizia com muita propriedade pra eu não me meter a pedalar naquela altitude, onde falata oxigênio até pra dormir. Estava nesse impasse quando um milagre fez aparecer uma van. Mais ou menos um Towner cheia de camponeses vindo do nada. 

Pulamos na frente do veículo que foi obrigado a parar para não nos atropelar. O motorista, que parecia uma mistura de Charles Bronson com Raul Julia não se mostrava minimamente comovido com a nossa situação e procurava um canto para passar e seguir viagem. Insisti e "supliquei" como recomendou o feiticeiro e ele aceitou levar apenas um de nós.

Não lembro qual foi o acordo que fizemos entre Davi, Edson e eu, mas quando vi eu estava sentando num pedaço de lata atrás do motorista, de costas para ele o que me obrigava ficar curvado e com o rosto no jelho de um outro passageiro.

Os camponeses me olhavam com um embevecimento que imagino ser equivalente ao que foram recebidas as primeiras caravela. Olhavam meu casaco amarelo, o relógio, o tênis, os óculos, a toca no cabelo... um deles arriscou puxar assunto:

"Que passo com su choche?"

"Ah... quebrou" disse com um soriso.

"Quebou? Não liga?"

"Liga, mas não anda... quebrou o cambio"

Nisso um senhor, atento a conversa arregalou os olhos, erguei o indicador como se pedisse licença para falar e disse: "Disco de embraiaje!"

Pensei comigo como seria difícil explicar a ele que o carro não tinha embreagem, mas isso não seria possível. Então apenas concordei que deveria ser esse o problema e agraqdeci. 

A van me largou num lugar chamado Mazocruz, que é a um "pueblo" no meio do nada. Assim que eu desci, apareceu uma velhinha saída do lado do motorista com toda aquela roupa Peruana colrida, a pele enrugada como uma ameixa seca. Imaginei que ia me indicar um mecanico, mas me enganei:

"Señor, são dois Soles"

"Como??"

"O preço da passagem, dois Soles"

Catei as moedinhas no bolso paguei a senhora, e e voltei ao motorista para pedir alguma indicação, mas o índio fechou a cara e acelerou.

Pronto, a situação de zero a dez estava no 3. Agora pelo menos estava lá pelo 4,5: Havia uma vila, e onde há uma vila há pessoas. Com o tempo esfriando fechei o casaco e comecei a andar pela cidade fantama. 

Não havia ninguém na rua. Quando ia perguntar a alguém, saíam correndo ou se fechavam dentro de casa. Um sujeito na rua foi mais atencioso, perguntei a ele onmde era a polícia e ele me deu a mesma recomendação do feiticeiro: A Polícia não vai te ajudar, tente outra forma.

Nisso tenho uma visão que me reconfortou: A vitaura da políca.

Corri na frente do Land Cruiser preto dos homens da lei acenando para pararem. Olhei pra trás e o meu amigo já tinha dado no pé.

Parei na janela do motorista, que tinha um insulfilm preto com um tinta. Ele abriu e aí minha alegria durou pouco. Todos com máscaras, armados até os dentes com metraladoras, granadas penduradas no peito e óculos escuros. Parecia um bando de ninjas. Expliquei a situação e mandaram eu entrar no carro. Eu entrei e aí eu vi que os da frente estavam na verdade pouco armados. No banco de trás eu me espremi com mais três sujeitos, dois deles com escopetas na mão e o terceiro com um - pasmem - lança grandas.  Ouvi um ruído atrás e quando olhei havia mais dois no chiqueirinho, não quis olhar muito mas devam ter uma bazuca e um lança chamas. Caveirão do BOPE ali é táxi. 

Fecharam os vidros, olharam todos para mim e perguntaram onde estava o carro. Expliquei e tomei um bronca: 

"Mas o que você estava fazendo naquela estrada? Está desativada há onze anos

"Mas eu vou (ia) a Tacna, e lá há uma placa indicando TACNA para ESQUERDA"

"Não! Mas a placa está errada! Todo mundo sabe que a placa está errada"

"Bem... eu não sabia... vocês têm como nos ajudar?"

"Talvez... sabe como é... vamos precisar comprar gasolina pro carro... e estamos sem dinheiro..."

"Sim, sim... eu entendo, claro. E entendo também que não é atribuição de vocês resgatar carros quebrados... por isso estou disposto a lhes recompensar por essa ajuda"

A negociação foi quebrada por que passou o úncio jipe da polícia rodoviária do Peru na nossa frente, o que causou certo desconforto entre os policiais ninjas da policia de fronteira. Ficaram em silêncio, imagino eu que estavam rezando para que não me vissem, e por consequência não atrapalhassem o plano deles de me matar e ficar com nosso carro e pertences. 

Mas a polícia rodoviária facilmente me viu pelo párabrisa porque eu era um ponto amarelo no meio de sete ninjas negros e se aproximou. Me adiantei dizendo "opa! olhaí a polícia rodoviária, deixa que eu vou com eles"

O motorista me censurou a idéia: "Espera, fica queito aí" e emparelhou com o a rodoviária que já perguntava o que estava acontecendo.

"Temos um estrangeiro aqui, diz que o carro dele quebrou na Trocha"
"Mas o que ele foi fazer na Trocha?"

A pergunta foi respondida com uma expressão facial daquelas onde de comprime os lábios e move a cabeça querendo dizer "esses estrangeiros devem ter merda na cabeça".

Aí o meu motorista colocou o braço pra fora, esfregou os dedos em sinal de "grana",e acertaram que doravante eu seguiria com a polícia rodoviária.

Pois bem, o Land Cruiser da polícia rodoviária era igual ao da polícia de fronteira, só que verde e branco, tinha apenas um motorista e um soldado e bem menos armas, somente metralhadoras, que devem ser usadas para trocar pneus e socorrer vítimas de acidentes na estrada. 

Nem vou tentar explicar porque ainda não consigo compreender e tampouco acreditar que a polícia rodoviária não tinha comunicações para pedir um guincho. Eu não consigo enfatizar mais: A polícia rodoviária não tinha condições de se comunicar com qualquer tipo de entidade capaz de rebocar ou socorrer um carro quebrado na estrada. Então desisti e fomos às negociações:

Me explicaram que estavam sem gasolina, que não tinham dinheiro pra comprar e coisa e tal, e depois de muita negociação (onde o poder de barganha certamente não era meu) fechamos em 40 dólares para nos rebocarem até Mazocruz. Pegamos então a Trocha, andamos uns dez quilometros no meio do nada e pararam o carro.

Olharam pra mim e começaram o interrogatório:

"Quem mais está no carro?"
"Mais duas pessoas"
"Mulher e filho?"
"Não, dois amigos"
"Brasileiros?"
"Sim, os dois"
"Que carro é?"
"Um jipe"
"Quanto custa no Brasil?"
"Quase nada, é uma porcaria, por isso quebrou, vejam vocês..."
"O que tem no carro?"
"Roupa suja"
"Eletrônicos?"
"Uma lanterna, nada mais."
"O que você faz no Brasil?"
"Bem... eu.... bom eu... eu trabalho pro governo brasileiro. Na área de relações internacionais com a região Andina"
"Você tem muito dinheiro, não?"
"Eu? Que nada, funcionário público não ganha nada no Brasil..."
"E estão só os três?"
"Que nada... Estamos em uns 5 jipes, uns foram na frente e outros vêm logo aí atrás, antes de quebrar falei com eles e disse onde estava, se bobear chegam daqui a pouco..."

Não se se acreditaram em alguma coisa, mas seguiram em frente. 

"E seu nome como é?"
"Rodrigo... e vocês?

Não responderam por um momento. Então um deles olhou para o outro e disse bem devagar, inventando os nomes na hora: 

"Eu sou... José...e... ele se chama Raul..." (Em espanhol ao pronunciar "Rosé e Raul" fica mais evidente que invetaram os nomes ao sabor do momento, tipo um "José e João" para nós)

Continuaram guiando, algumas vezes conversavam entre si bem baixinho para que eu não ouvisse. Fiquei imaginando eles chegando ao carro, o Edson e o Davi felizes com a visão da polícia... depois a feliciadade acabando com eles nos apontando as armas e mandando nós cavarmos três buracos.

Meu pensamento foi quebrado pela visão de uma nuvem de poeira no horizonte... mais uns instantes e deu pra ver um caminhão, na verdade uma cegonha vazia (como viemos a saber depois, essa estrada abandonada era usada para levar carros roubados para Bolívia e Paraguai, então esse retornava da viagem). Com a aproximação, enxergo algo preso atrás da cegonha... Sim! amarrado ao final da carreta estava um pontinho vermelho sendo arrastado como uma latinha amarrada atrás do carro de recém casados. Era o bombeiro!

Os policiais se entreolharam decepcionados, sentimento que eu não pude compartilhar. Me pediram então o pagamento, mas o dinheiro estava no bombeiro. Ameacei descer para buscar e tomei um "você fica aqui!" e tive que voltar para Mazocruz ainda no carro da polícia.

O lado de quem ficou na estrada:

Avistamos uma aldeia cerca de 3 quilômetros de distancia onde estava o carro, não tínhamos outra escapatória, ágüem tinha que procurar ajuda. Eu e Davi saímos andando no meu do deserto com um único objetivo, chegar até a aldeia. Quando começamos caminhar a temperatura estava por volta dos 30 C. Não sei por qual motivo levamos nossas blusas. Após alguns minutos (não sei precisamente quanto tempo levou) chegamos perto da aldeia, ao mesmo tempo Carvalho nos informava via radio que não havia moradores na aldeia, já que ele estava mirando com o binóculo e não via movimento de qualquer ser. Eu e Davi não queríamos desistir, faltava pouco. Foi quando percebemos que havia 2 rios entre a “estrada” (Trocha – chamada pelos peruanos) e a aldeia. Começamos a buscar alternativas para atravessar o rio, com muito planejamento e com ajuda das pedras, conseguimos atravessar o primeiro. Foi quando avistamos um senhor vindo de bicicleta pela estrada. Agora nosso plano era o inverso, como voltar para a estrada atravessando o rio. Pela nossa surpresa, o rio estava mais estreito alguns metros para frente e conseguimos “reatravessa-lo” com mais facilidade.

Explicamos nossa situação ao senhor, e ele explicou melhor nossa situação.

 - Meus filhos, vocês estão em uma estrada abandonada a 11 anos, nesta estrada passam apenas 2 veículos por dia.

Foi quando o senhor olhou para o sol e disse:

- Eles ainda não passaram, vão passar quando o sol chegar ao topo daquela montanha.

Ufa!! Pensamos nós...

O senhor imediatamente subiu em sua super bike e foi em direção ao carro, eu e Davi tínhamos que caminhar novamente até o carro, foi quando começou a ser necessário o uso das jaquetas. Em menos de 1 hora a temperatura havia caído muito e nossa preocupação aumentando.

Quando chegamos perto do bombeiro percebemos uma negociação. Carvalho estava tentando comprar a bike do senhor para ir buscar ajuda na cidade. Ainda bem que o tio não topou a idéia.

Mais alguns minutos de tensão e aparece de traz das montanhas de areia, pedra e neve uma Van. Pedimos ajuda ao motorista e o mesmo permite que 1 de nós pudéssemos ir de carona até a cidade mais perto (depois descreveremos a cidade). Carvalho foi dentro da Van com mais 5 moradores locais e o senhor da super bike também, eu e Davi ficamos no meio do deserto. Naquele momento passava milhões de coisas na cabeça como: o que comer durante a noite, onde encontrar água potável, qual seria a temperatura da noite. Neste momento a temperatura beirava 0 C. Davi já parecia ter sido congelado, estava quieto, apreensivo, sem movimentos. Ele apenas olhava para a montanha a espera do sol chegar ao topo (horário que passaria um caminhão). O carro parecia que ia ser levado pelo vento e mesmo assim Davi não tirava os olhos da montanha.

Pensávamos no Carvalho, onde ele estaria, será que tinha conseguido ajuda??? Eram tantas perguntas sem respostas...

Foi quando o sol baixou mais um pouco, estava quase todo atrás da montanha de neve, nada de caminhão... tentava conversar, ter alguma idéia, mas nada fazia Davi se mover. Foi quando avistamos o caminhão (a cara dele só não foi melhor do que a que ele fez quando comeu um pão de queijo 6 dias depois).

Paramos o caminhão, o motorista boliviano não estava muito preocupado com nossas vidas. Estava mais preocupado em saber quanto pagaríamos para ele nos rebocar.. chegamos a um acordo de U$20. Quantia insignificante se pensarmos em nossas vidas.

Agora vem a pior hora, o carro estava virado no sentido oposto ao do caminhão e a estrada tinha cerca de 4 metros de largura, teríamos que manobrar o carro. Davi assumiu a direção, desengatou o carro enquanto eu e o boliviano tínhamos a função de empurrar um carro com mais de 2 toneladas + bagagens + Davi. A impressão que tive em todo este momento é que o carro não estava desengatado e que o boliviano era um ator de novela mexicana. Nunca fiz tanta força em minha vida. Pensei em desistir, mas não sei como ainda tinha mais força para empurrar. Conseguimos virar o carro, mas não era momento para comemorações ainda. Prendi o cabo no carro, o boliviano prendeu na carreta, assumi o comando do volante a vamos embora... foi quando percebemos que o cabo estava preso do lado esquerdo do Jeep e do lado direito da carreta, fato que fazia o carro andar de lado. Foram tantos trancos que tenho certeza que o campeão de Barretos que montou no touro bandido não agüentaria ficar dentro do carro. Depois de 15 minutos de reboque já havia me acostumado a dirigir olhando para os lados. Foi quando lembramos que tinha uma ponte estreita e que não poderia haver trancos laterais. Achei que nesse momento Davi iria arrancar o banco e as portas (ele segurava tão forte, que se tivesse ajudado empurrar o carro teria sido um pouco mais fácil).

Chegamos a ponte, momento de tensão dentro do carro, minhas mãos suavam a uma temperatura de 0 C. A poeira da estrada não deixava calcular exatamente quando seria a entrada da ponte, quando percebemos já estávamos sobre ela. Nós rangíamos os dentes de tensão, parece que até o carro se encolheu para passar. Alguns segundos depois estávamos na terra novamente e ao mesmo tempo avistamos Carvalho vindo dentro do carro da policia para nos socorrer.

Todos juntos:

Chegamos em Mazocruz, agora a situação estava aparentemente sob controle. Na beira da estrada CORRETA nos sentíamos mais seguros. Só faltava agora conseguir um mecânico de câmbio automático... em Mazocruz... Ou um guincho que nos levasse para... para alguma cidade onde exista câmbio automático... ou... vender as peças por peso e voltar de cabeça baixa para o Brasil.

A polícia nos interrompeu a elaboração desse plano ordenando que nos abrigássemos (faziam o sinal para vestirmos casacos) e pediram que os acompanhasse até o local onde iríamos dormir. Dormir? 

"Muito obrigado... mas nossa idéia não é dormir aqui... Vamos pegar alguma carona na estrada..."

"Vocês vão dormir aqui sim. O carro fica aí onde está, sigam-me"

Foi assim que fomos condenados a passar a pior noite de nossas vidas, sob real dúvida se veríamos novamente o sol.

Fim da parte 2.