sexta-feira, 16 de janeiro de 2009



















 
O Episódio de Mazocruz - Parte 1

Enrolamos e prometemos o tal episódio de Mazocruz. Natural que a expectativa para tal relato esteja então em um nível alto, o que pode prejudicar a leitura do desenrolar dos fatos. Faço então um acordo: A crônica se aterá à realidade, sem licenças poéticas ou exageros (o que torna compulsória a ausência do Edson na narrativa) e em contrapartida, o caro leitor se despirá das expectativas que foram criadas. Mesmo porque, já advirto, esse caso não tem um final espetacular. 

Parte 1: Essa parte acontece cronologicamente antes do relato “Para Sul”. Retomando, saímos de Cuzco naquele dia 4 de janeiro com o corpo já (ou talvez seja mais adequado dizer “ainda”) cansado. O bombeiro estava “consertado” com um motor elétrico Toyota no lugar da segunda ventoinha, e as estradas seriam seguramente bem desafiadoras, com sequências andinas de subidas e descidas que castigam e fervem alternadamente o motor e câmbio (nas subidas) e o freio (nas descidas). Sem entrar num detalhe que a água ferve a uma temperatura menor á medida que a pressão diminui, então lá pelos 90°C, mesmo com aditivo o motor ferve, o que nos motivou a levar 25 litros de água extra. (Pegos num latão porque os postos não tem mangueira nem regador, calibrador então nunca viram). 

Passamos ao lado do lago Titicaca, como já relatado, onde ainda havia tranqüilidade por se tratar de uma pista plana (como a margem de qualquer lago impõe). Ao chegarmos em Ilave, e segundo as indicações que havíamos recebido, deveríamos pegar a estrada para Sul, que segue reta e direta para Tacna, nosso destino antes da fronteira Chilena. Mas não foi exatamente assim. 

Ao ver a tal estrada para sul, percebemos que, ao contrário do que havia nos dito a agencia de turismo oficial do governo, ela carecia de pavimento. Não era de terra, nem de asfalto, nem de areia. Era de pedra, o que os Peruanos chamavam de “Trocha”. Aparentemente, nada muito pior do que as carreteras bolivianas, de jipe seria atá tranquilo. A alternativa seria fazer uma volta até Desaguadero, basicamente o dobro da distância. 

Decidimos ir pela “Trocha” e alguns metros adiante vimos um sujeito.... Melhor perguntar: 

“Amigo, esse é o caminho para Tacna?” 
“Não” 
“Mas....” Olhamos o mapa, o GPS, a bússola, as estrelas e aí pudemos replicar com segurança: “É sim, essa estrada vai para Tacna sim, veja” (mostrando o mapa ao índio) 
“Essa estrada vai para Tacna. Mas não é caminho para Tacna. Caminho para Tacna é por Desaguadero” (com voz seca) 
“Mas Desaguadero é o dobro da distância... não dá pra ir por aqui?” 
“Por Desaguadero.... Tudo pavimentado” 
“E não dá pra ir por aqui?” 

O índio fez um cara de que estava falando com os seres mais idiotas do mundo e disse: 

“Mas PORQUE você quer ir pela Trocha se por ali é pavimentado?????”   

Resolvemos acatar a sugestão e ir via Desaguadero. Sobe e desce montanha, chega a 4800, depois cai pra 3100, depois sobre, depois desce, esquenta motor, esfria motor, esquenta freio, esquenta cambio... 

No caminho, que parecia um spaguetti de asfalto derramado sobre a cordilheira não havia postos de gasolina, nem casas, nem placas, nem cidades, nada a não ser o vento gelado e um oceano infinito de montanhas atrás de montanhas que terminavam na neve. 

“Galera - eu dizia no carro - lembra quando na Bolívia nós comentávamos que se o carro quebrasse nós estávamos fodidos? Bom, quero mudar meu parecer: AQUI sim é que estamos fodidos. Olhem em volta, não tem NADA por perto, nem ninguém.”

Vez por outra passava um caminhão com o capô devidamente aberto pra resfriar, e mais nada. Foi assim que seguimos para Sudeste até Desaguadero e depois para Sudoeste onde cruzaríamos a tal Trocha e pegaríamos finalmente uma estrada direta ao Sul, sem ficar fazendo voltas e mais voltas no meio de um país vertical. 

Porém pouco antes de chegar um bloqueio na estrada. E um bloqueio na estrada não significa que há um engarrafamento, porque simplesmente nessa estrada quase não passa carro. O Bloqueio é um cavalete na frente de um posto policial. Parei o carro e guarda se aproximou pedindo habilitação. Já não me incomodava mais não ter o documento, mesmo porque, viajando pela América do Sul, com exceção do Chile, você nunca tem todos os documentos. Mesmo que os tenha.

Fui convidado a entrar no posto policial e paguei um suborno de 50 soles (uns 35 Reais) por não ter um seguro obrigatório que a própria polícia rodoviária havia dito em Cuzco que não precisava. A justificativa foi simples: 

“Eles manda em Cuzco, aqui mando EU, e AQUI precisa desse documento. Deixa uma grana na mesa e prossiga sua viagem” 

Agradeci com um sorriso (esse tipo de coisa já não era mais novidade) pedi pra usar o banheiro mijei e voltei pro carro. 

Andamos alguns metros e vimos uma bifurcação, com a placa "Tacna" e uma seta para esquerda. Achei estranho porque a estrada estava meio ruim, mas coincidia com o mapa. Andamos mais um pouco e vimos outra placa confirmando a direção. Então “bora galera” 

Um misto de alívio por ter deixado os policiais e estar saindo em direção a um país mais desenvolvido e preocupação porque a estrada estava bem ruim, e ainda mais deserta tomou conta do carro. Tocamos pra frente, e algum tempo depois, observando a estrada completamente vazia e piorando (para ilustrar, não dava pra ir a mais de 50km/h precisava do 4x4 e faltava só 500km). 

Fazendo as contas de cabeça percebi que chegaríamos na fronteira bem tarde. E aí outro sentimento tomou conta da minha mente e resolvi compartilhar com os amigos:   

“Pessoal... lembram quando hoje de manhã eu disse que se o carro quebrasse lá perto de Desagaudero nós estaríamos fodidos? Mais do que em Santa Cruz e tal?” 

Edson se adiantou na conclusão: 

“Ah! Nem brinca! Se o carro quebra AQUI aí sim FODEU mesmo... Aqui simplesmente não tem o que fazer se quebrar o carro. É sentar e chorar” *nota, aqui acontece a única licença poética do relato, que teve por objetivo diminuir o índice de palavrões nos diálogos e permitir uma audiência mais ampla ao texto. Esteja seguro caro leitor que não foram poupados verbetes de baixo calão no momento. 

Davi complementou:

“Sentar, chorar e morrer congelado. Porque vai anoitecer e estamos no meio de um deserto, no domingo, a 4 mil metros de altura, sem nada nem ninguém por perto, celular não pega e ninguém sabe onde estamos” 

E eu continuei: 

“E digo mais, se quebra um radiador, uma bomba de gasolina, uma correia até tem quem conserte esse carro com alguma gambiarra, pra pelo menos conseguirmos seguir até o Chile para poder encomendar a peça. Mas imagina se quebra... sei lá... se quebra o câmbio!” 

Edson: 

“Noooosa, se quebra o câmbio fodeu, mas fodeu COM FORÇA. Lembra na oficina em Cuzco, que é uma cidade grande, e nenhum mecânico jamais tinha visto um câmbio automático?” 

Prossegui: 

“Realmente, vamos rezar, melhor até mudar de assunto, porque se quebrar o câmbio aqui... sei lá... é uma das poucas coisas que eu realmente não saberia o que fazer” 

Conversa vai, conversa vem, lembramos que não comíamos desde o café da manhã e já ia anoitecer, que bobeamos em não comprar água e só havia um finalzinho da garrafa, etc... quando algo anormal começa a acontecer: Eu percebo que acelero a qusase 4mil RPM e o carro andando a 40...30...20... foi parando... parando e parou.... 

Eu acelerava e nada. Não saía do lugar. Movia a alavanca do câmbio pra frente e pra trás pra ver se estava mal engatado, punha e tirava o 4x4, soltava.... melhor abrir o capô.... 

Saí pela esquerda e o Edson pela direita, levantei a tampa do capô e o Edson foi olhar embaixo: 

“Carvalho, tá vazando água aqui.... perái... não é água não é....” 

Coloquei a mão embaixo da pequena catarata que caía do lado esquerdo do motor, senti o fluído viscoso e quente escorrendo com vontade, aproximei a mão rezando para não ser... vermelho! 

“Merda... não é água mesmo..."

Suspirei, olhei pra cima, como se esperasse alguma resposta do céu (que não veio) e escolhi bem as palavras para dar a notícia aos colegas:

"Fudeu. É óleo de câmbio. Moçada... o câmbio quebrou. Só tem duas formas desse carro sair desse deserto: Empurrado ou rebocado.” 

Qualquer uma das duas opções parecia bem pouco animadora. Pela aparência da estrada e também pelo fato de não termos cruzado com NENHUM veículo até então, poderíamos projetar um espera de alguns dias. Foi um daqueles momentos onde um homem precisa erguer a cabeça, recuperar a razão, recompor sua calma e dizer com voz firme: 

“Agora fudeu!” 

Sucesso Carvalho

3 comentários:

  1. poxa, a merda é que eu já sei que vc tá vivo e talz, mas termina o relato só pra eu saber como DIABOS vcs saíram do deserto! beijos do seu melhor amigo

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  2. Caras, achei o blog, :) sou o recepcionista la do hotel Elo de Maringa... meu msn vai ficar ai no comentario... abraco

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  3. Ai, ai, ai....
    Ainda bem que voces estao escrevendo....sinal que este momento passou...
    Nao entendi porque o Edson nao pode participar da narrativa...ele ja contou essa parte da viagem pra mim, nao foi quando voces foram rebocados por um disco voador? Rs...Beijos, Cintia.

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